Cerimônia de Casamento Temático (LOTR – O Senhor dos Anéis)

A quem possa interessar, e a pedidos, aqui fica registrada a Cerimônia de Casamento que escrevemos para nós, inspirada na belíssima obra O Senhor Dos Anéis, de J. R. R. Tolkien. Esperamos que este roteiro possa servir de inspiração para outras pessoas ou servir como guia para outras cerimônias que não queiram seguir a tradição ou o modus operandi para a qual a sociedade à nossa volta nos impele. A cerimônia ocorreu às 15h do dia 26 de novembro de 2021, na Fazenda da Roseta, Baependi – MG.

O Convite
O Convite

Cerimônia de Casamento

[PARTE I: ENTRADA]

[ENTRADA – DANIEL]
Música de EntradaNoivo
Nome: The Sacrifice Of Faramir (Feat. Billy Boyd Performing “The Edge Of The Night”)
Autor: Howard Shore
Álbum: The Lord Of The Rings: The Return Of The King (Complete Recordings)
Período da Música: 01:22 – 02:05
Duração: 00:43 (loop & fade)

O Noivo

[ENTRADA – HELENA]
Música de EntradaNoiva
Nome: Helm’s Deep
Autor: Howard Shore
Álbum: The Lord Of The Rings: The Two Towers (Soundtrack)
Período da Música: 02:40 – 03:12
Duração: 00:32 (loop & fade)

A Noiva

[PARTE II: APRESENTAÇÃO]

[ABERTURA DA CERIMÔNIA]
Música de Abertura
Nome: Concerning Hobbits
Autor: Howard Shore
Álbum: The Lord Of The Rings: The Fellowship Of The Ring (Soundtrack)
Período da Música: 00:00 – 01:04
Duração: 01:04 (loop & fade)

[A Cerimonialista entrega à Noiva e ao Noivo os respectivos microfones e celulares (de onde acompanharão o texto).]

Cerimonialista:
Queridos convidados! Queridos Maciéis Bolseiros e Limas Boffins, Pelúcios Tûks e Gamas Brandebuques! Queridos Bigios Roliços, San Juan Bolgers, Oliveiras Justa-correias, Bragas Boncorpos, Grimaldis Texugos, Szantos Pés-soberbos, e os bons Divinos Sacola-bolseiros! Sejam bem-vindos!

Estamos aqui para testemunhar a união entre Daniel e Helena sob a Chama Imperecível de Eru Ilúvatar. Agradecemos a todos os convidados, pois vocês são partes insubstituíveis do ontem, do hoje e do amanhã deles, e as pessoas mais relevantes em suas vidas. Aproveitamos também para honrar as memórias daqueles que não podem estar presentes fisicamente, mas que estarão, junto a vocês, presentes nos nossos corações para sempre. Lembremo-nos com especial saudade do Sr. Bartolomeu Pelúcio e da Sra. Liliana Maciel, pais da Helena.

Para abençoar estes que amam todas as coisas que crescem na terra, evocamos Yavanna, a Provedora de Frutos, que guarda em sua mente todas as suas incontáveis formas, das árvores nas florestas primitivas aos musgos sobre as pedras, ou aos seres pequenos e secretos que vivem dentro e abaixo do solo. Lembremos que somos seres que amam, e que o amor não possui gênero, espécie ou qualquer racionalidade: o amor simplesmente é.

Noivo:
Quando a primavera revelar as folhas das faias, e a seiva correr pelos galhos;
Quando a luz refletir no córrego da floresta selvagem, e o vento soprar na testa;
Quando o passo for longo, e a respiração profunda penetrar o ar das montanhas,
Venha até mim, venha até mim, e diga que nossa terra é bela!

Noiva:
Quando a primavera chegar aos campos e jardins, e milho resvalar na lâmina;
Quando as flores se deitarem sobre o pomar como neve brilhante;
Quando a chuva e o sol sobre a Terra encherem o ar com fragrância,
Eu estarei aqui, e não me irei, pois nossa terra é bela!

Noivo:
Quando o verão se deitar sobre o mundo, e no meio-dia dourado
Os sonhos das árvores se desvelarem, sob o teto de folhas adormecidas;
Quando as trilhas das florestas estiverem verdes e frescas, e o vento estiver ao oeste;
Venha até mim, venha até mim, e diga que nossa terra é a melhor!

Noiva:
Quando o verão aquecer a fruta pendente e queimar a castanha;
Quando a palha dourar, a espiga empalidecer, e a colheita chegar à cidade;
Quando o mel derramar, e a maçã intumescer, mesmo com o vento ao oeste,
Eu estarei aqui sob o sol, pois nossa terra é a melhor!

Noivo:
Quando o inverno selvagem chegar, e arrasar colinas e madeiras;
Quando as árvores caírem, e a noite sem estrelas devorar o dia cinzento;
Quando o vento soprar no leste do fim, e então na amarga chuva,
Eu procurarei por você, chamarei por você, e irei a você novamente!

Noiva:
Quando o inverno chegar, e o canto tiver fim; quando a escuridão finalmente cair;
Quando o galho estéril estiver prestes a quebrar, e luz e esforços ficarem no passado;
Eu procurarei por você, e esperarei por você, até nos encontrarmos novamente:
E, juntos, tomaremos a estrada sob a chuva amarga!

Noivo e Noiva:
Juntos, tomaremos a estrada que levará ao Pequeno Reino,
E, ao chegar, ambos nossos corações poderão descansar!

A Cerimônia

Cerimonialista:
O amor é, também, aquele que move estes nubentes a celebrarem este compromisso em público. O amor é mágico; é fantasia feita realidade, e realidade misturada com fantasia. O amor não é médio, nem aqui, nem na Terra-média; é máximo, em todos os seus aspectos, e infinito em sua expansão, num transborde que pode resvalar em cada um de vocês, seja humano, elfo, anão ou hobbit. O amor promove jornadas, e orienta as aventuras de vidas e eras inteiras. O amor une lares e ilumina caminhos, mesmo onde todas as outras luzes já se apagaram.

Porque é perigoso sair porta afora: você pisa na estrada e, se não controlar seus pés, não há como saber até onde pode ser levado. Mas agora é hora de abrir a porta. Helena e Daniel perceberam que é exatamente este o caminho que querem: qualquer um, desde que estejam juntos. Decidiram se tornar luzes de Ëarendil: iluminando um ao outro, quando todas as outras luzes se apagarem. Decidiram passear por Arda, juntos, sem se perderem. Decidiram deixar seus lares para trás, pois encontraram um no outro aconchego e têm o mundo diante deles.

Longe de casa, com o mundo a vir
Onde há vários caminhos a seguir
Através das sombras, da noite e seu véu
Até que as estrelas iluminem o céu
Longe do mundo, para casa ir

A Cerimonialista: Lua Sarkis

[PARTE III: ENTREGA DOS PRESENTES]

[TEMA DA ENTREGA DOS PRESENTES]
Música da Entrega dos Presentes
Nome: Samwise The Brave
Autor: Howard Shore
Álbum: The Lord Of The Rings: The Two Towers (Soundtrack)
Período da Música: 00:58 – 01:28
Duração: 00:30 (inteira)

[A Noiva e o Noivo apoiam os respectivos celulares no púlpito, enquanto estiver tocando a música.]

Cerimonialista:
Para isso evocaremos os servidores de Yavanna, elementais que regem e moldam o mundo, nesta natureza bela e mutável que nos cerca. Encantem, entoem e conjurem o amor e a magia que os manterão juntos e que selarão a forja desta união na Chama Imperecível de Eru Ilúvatar.

[PRESENTE: FOGO]
[A Cerimonialista acena para as Guardiãs da Chama de Anor se aproximarem.]
[As Guardiãs da Chama de Anor se aproximam e entregam os Castiçais acesos aos nubentes.]
[O Noivo e a Noiva levantam os Castiçais, mostrando-os a todos.]
[O Noivo e a Noiva apoiam os Castiçais na mesa de apoio, atrás do púlpito.]
[O Noivo e a Noiva pegam seus respectivos celulares no púlpito.]

Cerimonialista:
Eis que, representando a eternidade e o poder criador, o Fogo é trazido perante a nós, oferecido aos nubentes pelas Guardiãs da Chama de Anor.

[PAUSA, se necessária, para o Noivo e a Noiva voltarem ao local.]

Que as Salamandras alimentem a centelha divina de vocês, dando-lhes intuição apurada, energia inesgotável e uma força de vontade inabalável para construir tudo que idealizarem. Que o calor lhes proporcione força e coragem para que mantenham sempre acesa a paixão, com equilíbrio o suficiente de aquecer um ao outro, sem que se queimem. Que suas autoestimas inflamem criatividade, para que sejam capazes de superar quaisquer desafios, e realizar quaisquer mudanças necessárias, sejam ao redor, sejam em vocês mesmos.

Noivo & Noiva:
Que o Fogo nos dê poder, e que as Salamandras nos deem humildade em nossa jornada.

[A Noiva e o Noivo apoiam seus respectivos celulares no púlpito.]

[PRESENTE: TERRA]
[A Cerimonialista acena para as Rainha dos Gnomos e dos Ents se aproximar.]
[A Rainha dos Gnomos e dos Ents se aproxima e entrega o Vaso com terra aos nubentes.]
[O Noivo e a Noiva levantam o Vaso, mostrando-os a todos.]
[O Noivo apoia o Vaso na mesa de apoio, atrás do púlpito.]
[O Noivo e a Noiva pegam seus respectivos celulares no púlpito.]

Cerimonialista:
A Terra é a mãe de todas as coisas, ventre que alimenta e abriga todos os seres. Presenteada a nós pela Rainha dos Gnomos e dos Ents, ela proverá prosperidade e abundância em suas vidas, em retorno a tudo que vocês plantarem com respeito à natureza e responsabilidade com as pessoas ao redor.

[PAUSA, se necessária, para o Noivo voltar ao local.]

Que vocês trilhem por caminhos seguros e consigam atravessar qualquer intempérie com conforto e segurança, e que as criaturas das florestas lhes concedam praticidade e realismo, para identificar o que deve ser mantido e o que deve ser abandonado em suas vidas. Pois o solo de seus corações irá nutrir as raízes do que sentem um pelo outro, alimentando, desenvolvendo e solidificando o amor entre vocês, garantindo estabilidade e longevidade aos seus sentimentos e a esta relação.

Noivo & Noiva:
Que a Terra semeie respeito, confiança e compreensão em nós, e que os seres protetores das florestas nos permitam colher uma relação sólida e duradoura.

[A Noiva e o Noivo apoiam seus respectivos celulares no púlpito.]

[PRESENTE: AR]
[A Cerimonialista acena para a Senhora dos Ventos e de Vilya se aproximar.]
[A Senhora dos Ventos e de Vilya se aproxima e entrega o Incenso aceso aos nubentes.]
[O Noivo e a Noiva levantam o Incenso, mostrando-o a todos.]
[O Noivo apoia o Incenso na mesa de apoio, atrás do púlpito.]
[O Noivo e a Noiva pegam seus respectivos
celulares no púlpito.]

Cerimonialista:
Assim, que venha também o Ar, trazendo leveza, clareza mental e liberdade de pensamentos, ações e emoções. O aroma regalado a vocês, pela Senhora dos Ventos e de Vilya aguçará a razão, inflando o pensamento filosófico e o debate saudável.

[PAUSA, se necessária, para o Noivo voltar ao local.]

Que os Silfos e as Fadas soprem os quatro ventos cardinais sobre vocês, orientando-os em sua jornada. Bóreas, o vento setentrional e rigoroso, sempre esclarecerá o papel de cada um de vocês nesta relação, para que nunca restrinjam a liberdade, e muito menos interfiram incisivamente na personalidade um do outro. Em Noto, o vento austral e núbio, vocês encontrarão relacionamentos familiares e sociais amáveis e aprazíveis, com pessoas ao redor dispostas a amá-los em retorno. Pois Euro, o vento leste e tempestuoso, insuflará seus intelectos, elevando suas essências e personalidades a uma evolução pessoal suave e segura. Por fim, Zéfiro, o vento agradável do poente, os impulsionará à exploração do desconhecido, seja em viagens tranquilas, seja na idealização dos seus sonhos, ou mesmo nas descobertas dos seus próprios imos.

Noivo & Noiva:
Que o Ar sopre racionalidade em nossos sonhos, e que os Silfos e as Fadas nos insuflem com clareza mental e concentração para alcançá-los.

[A Noiva e o Noivo apoiam seus respectivos celulares no púlpito.]

[PRESENTE: ÁGUA]
[A Cerimonialista acena para o Mestre das Ondinas e de Nenya se aproximar.]
[O Mestre das Ondinas e de Nenya se aproxima e entrega a Jarra com água aos nubentes.]
[O Noivo e a Noiva levantam a Jarra, mostrando-a a todos.]
[O Noivo apoia o Incenso na mesa de apoio, atrás do púlpito.]
[O Noivo e a Noiva pegam seus respectivos
celulares no púlpito.]

Cerimonialista:
Por fim, o sangue que corre nas veias da terra, nos inunda e transborda, em diferentes estados. O Mestre das Ondinas e de Nenya lhes oferta a Água, concedendo-lhes flexibilidade para que se adaptem às mais diversas situações, e para que seus leitos sejam obtusos e polidos.

[PAUSA, se necessária, para o Noivo voltar ao local.]

Que o orvalho purifique suas espiritualidades e suas emoções, suavizando-as, para que a comunicação entre vocês flua com ternura, em prol de se conhecer, um ao outro, cada vez melhor. Que a Água lhes embeveça, conectando-os às próprias emoções, para que possam, assim como este elemento vital, refletir sobre qual a melhor forma ou estado vocês serão o melhor de si mesmos para cada circunstância. Pois toda chuva, de agora em diante, irá lavá-los em introspecção e imergir suas vidas em deleite e felicidade!

Noivo & Noiva:
Que a Água acalme os mares revoltos em nós e que as Ondinas pacifiquem nossos espíritos durante toda a longa jornada que teremos pela frente.

O abraço

[PARTE IV: OS NUBENTES]

[TEMA DOS NUBENTES]
Música dos Nubentes
Nome: The Bridge Of Khazad Dum
Autor: Howard Shore
Álbum: The Lord Of The Rings: The Fellowship Of The Ring (Soundtrack)
Período da Música: 00:00 – 00:17
Duração: 00:17 (inteira)

[O Noivo e a Noiva apoiam seus respectivos microfones no púlpito.]

Cerimonialista:
O que realmente importa na vida é o que decidimos fazer com o tempo que nos é dado. Helena e Daniel decidiram, juntos, usar todo o tempo para valorizar um ao outro mais que qualquer ouro guardado: saboreando a comida, dançando a música, cuidando do verde, e aproveitando a simples alegria de estarem juntos. Decidiram forjar seu Um Anel, depositando todo o amor, respeito, compreensão, honestidade e liberdade um no outro.
Que seus votos sejam expressos em voz alta, de acordo com o que seus corações intensamente desejam:

[VOTOS]


[A Cerimonialista entrega o microfone dela ao Noivo.]
[O Noivo lê, em voz alta, seus votos escritos.]

Noivo:
Lembro-me quando nos encontramos pela primeira vez. Era uma época de medo e paranoia, terror e fobia social. Ruas desoladas, portões fechados e um deserto que se estendia pelo horizonte e concreto. Lá fora, só se via zumbis, pois, ainda que vivos, não havia muita esperança de se manter vivo no auge pandêmico que pairava sobre o mundo. Uma terra abandonada, um Brasil apocalíptico assolado por um falso messias que o governaria por quatro anos. Assim era o panorama: uma derrota sem perspectivas; assim caminhava a desumanidade: sem esperança de que a empatia um dia voltaria a caminhar entre nós.

Em um ímpeto de coragem – talvez loucura –, atirei-me numa jornada inesperada de quase duzentos quilômetros, tal qual Bilbo e seus catorze companheiros, em seu quinquagésimo ano de vida. Mal sabia que encontraria – não em Lothlórien, mas em Penedo! – aquela que diziam ser uma feiticeira de poder magnífico. Tal poder, os bardos diziam, fazia com que qualquer um que olhasse para ela caísse sob seu feitiço.

Assim que olhei em sua direção, encontrei pequenas e vivas contas que tremeluziam em um grave e pensativo olhar. Muito belo era seu rosto e seus longos cabelos, um rio de ouro. Esbelta e miúda era em seus trajes negros, mas me pareceu forte e rígida como o aço esculpido por artesãos élficos. Uma filha de reis, destinada a grandes feitos. Achei-a graciosa, graciosa e severa, como a manhã da pálida primavera que ainda não atingiu seu auge. Atestá-lo não posso, porém, sei, ainda que de mais nada eu saiba, que seu sorriso foi o suficiente para me encantar.

Ah, este sorriso: uma lufada de espontaneidade, em pétalas coloridas sopradas pelo zéfiro vernal. Seu olhar: um ímpeto de tensão que teria subjugado o Rei Bruxo de Angmar aos seus pés. Seu toque: o afago honesto de um animal selvagem vencido pelo frio da tundra boreal. Suas palavras: uma epifania dos Valar que levaria o próprio Senhor do Escuro ao júbilo da alvorada. Alvorada que suprimiu as sombras em nossos cabelos.

Seus pés queriam ir, em passo largo, rápidos como as asas de um pássaro a voar, ao mundo adiante. A cada passada, a cada bater de asa, os movimentos austeros alternavam com a energia do desconhecido. Uma amálgama de impulsos estoicos com mapas que me levariam à loucura. Senti como se a conhecesse há eras, e queria, ainda assim, conhecê-la cada vez mais e mais. Para trilhas e mais trilhas, sob a única estrela acesa, você me convidou. Eu não pude ir. Mas, quando olhei pela última vez – até então – para aquela que era a mais bela, sofri o golpe mais duro, para além de toda a cura. Não resisti ao seu sorriso, feitiço, poder. E, na primavera, estou aqui, ao seu lado, pronto para seguir sua glória e encanto, e vê-la dançando em vales e verdejantes clareiras.

Obstáculos vieram, e adversidades virão. Em seu onzentésimo aniversário, Bilbo Bolseiro não era mais o mesmo de quando encontrou o Um Anel. Assim como eu não sou mais o mesmo de antes de lhe encontrar. Dissipamos e adequamos as distâncias espaciais e sociais que nos espalhavam em três cidades, duas profissionalizações e convicções socioculturais diferentes. Vencemos cismas e relutâncias para que pudéssemos nos aproximar mais e mais. Aceitamos os defeitos e os vícios, apoiamos os planos e os objetivos, e conquistamos a confiança e as vergonhas do outro. Estabelecemos uma comunicação farta, aberta e honesta, para que pudéssemos superar crises mútuas, mitigar conflitos e dar a oportunidade do outro nos oferecer ajuda. Definimos objetivos comuns e traçamos rotas, bem como caminhos alternativos, para alcançarmos e construirmos um futuro capaz de assentar nossos sonhos mais íntimos. Juntos, prometemos enfrentar qualquer esforço que nos quisesse separar, pois, daqui a algumas eras, tampouco seremos os mesmos. Estaremos mudados, mas de mãos dadas, em um aperto brando e confortável, porém imperturbável. E, após todas estas eras, hão de perguntar-me: “Após todo este tempo?”. E eu responderei, sem hesitar: “Sempre.”

Em você, eu vi a princesa vestida de guerreira. Sua benevolência é tamanha que abraça tudo que pode fazer, às vezes em detrimento de si mesma. Seus conhecimentos ultrapassam os dos mais sábios, culta em todos os aspectos, assuntos e objetos que nos importam. Sua perspicácia é singular, com uma capacidade de aprender inexaurível e perícia investigativa célere e profunda. Seu intelecto é abundante em compreensão, dando-lhe farta habilidade de ouvir e eloquente e objetiva maestria em retórica – ainda que, muitas vezes, exagere um bocado na rispidez. Seu respeito por todas as coisas vivas e por todas as vontades existentes é sublime, digno e esplêndido. Sua vaidade preza demais a simplicidade e praticidade, destacando-se como uma das características que mais admiro em sua nobreza.

Há também a guerreira vestida de princesa. Sua obstinação é implacável: o maior temor de todos que atravessam seu caminho, e de todas as meias e roupas que tentam fugir pelos cantos mais obscuros de uma casa. Mesmeriza-me, em êxtase de felicidade, seus movimentos e sua postura combativa na longa e árdua batalha, dia após dia, contra o seu maior inimigo: um prato de comida que beira o transbordo. Suas armas preferidas são listas e mais listas – e até listas de todas suas listas! –, eficazes em seus golpes metódicos e bem treinados contra tudo que pode fugir do seu controle. De energia inesgotável, ainda que em tempos de paz, adquiriu o título mais honrado – e exótico – de todo o Reino: “trabalhadeira”. Com o grito de guerra proferido pelo seu alter ego, a Joice, alcançou a fama em alegrar e estimular os companheiros a se mostrarem como são, sem terem vergonha de si mesmos! Uh-uh-uh! Uó-uó-uó!

Pois em você não vejo deuses, nem vilanias. Vejo virtude, numa vontade natural que é indomada pela sociedade e sincera em sua expressão humana. Uma pequena parte perfeita no caos do todo. Você é minha nume, numa catarse de beleza exuberante, que transborda a visão. Que me faz enxergar, na cegueira do amor, a mais pura verdade: não há moral no que é natural. Pois você é, sem qualquer dúvida, a minha lagosta.

Um sábio Istari uma vez disse: “As pessoas veem estrelas de maneiras diferentes. Para aquelas que viajam, as estrelas são guias. Para os sábios, elas são desafios a serem desvendados. Para o sonhador, elas são ouro. Mas, para todos, as estrelas se calam, e elas são, além de tudo, luzes nas trevas, sorrindo para você.”

Para mim, você é uma destas luzes; a luz de todas as luzes e, quando eu olhar o céu à noite, verei seu sorriso. Quero fazê-la rir sempre, para que seu brilho não esvaia. Então, quando me virem olhando ao céu, em malabarismos e gracejos, ficarão espantados, e eu explicarei:

“Sou imperfeito nas coisas que faço e no que farei,
Mas ouçam o que digo: por desertos e florestas a seguirei,
Pois tenho esta única e última missão, e jamais falharei:
Daquela mais bela estrela no céu, um sorriso arrancarei!”

Todos me julgarão maluco. Mas eu não me importo, pois todos que são vistos dançando são julgados insanos pelos incapazes de ouvir a música. E você tampouco se importa, porque ouve a mesma melodia. Pois, com você, não haverá escuridão que perdurará. Quero que você saiba que desejo mais que tudo estar em sua companhia e, às margens, conversar livremente e construir nosso castelo sobre o ar, e nosso reino sobre a terra. Quero ser tudo que você é, ver o que você vê, e amar o que você ama. Você é a Estrela Vespertina, que reina sobre todas, e me é a mais preciosa. Pois prefiro compartilhar uma vida ao seu lado a encarar todas as eras deste mundo sem você.

Ao seu lado, jamais estarei perdido. Posso esquecer onde é a direita, e não saber para que lado é a esquerda. Aprenderei a enxergar o direito em cima, e o esquerdo embaixo, ou vice-versa. Mas, mesmo nesta confusão de direções, o amor que sinto é a bússola que me ajudará a lhe encontrar. Pois, o homem mais sortudo do mundo é aquele que encontrou o amor verdadeiro. A cada momento, e a cada vez que acordo e vejo seu sorriso, você me faz este homem. Este amor não tem vencimento, validade, e nem mesmo vencidade. Porque você é minha Helena de pelúcia.

Outro Istari, certa vez, disse: “Palavras são nossa fonte inesgotável de magia.” Não obstante, em palavras não cabe toda a magia que envolve o amor que sinto por você. É por isso – e mais um bocado que não cabe aqui – que escolhi você. É com você que quero conversar sobre tudo, aprender o que não sei, compreender o que não consigo entender, e resolver questões filosóficas que nos assombram. É com você que quero tentar, experimentar e realizar. É você com quem gostaria de me aventurar neste mundo inóspito, superar desafios extenuantes, enfrentar sociedades hipócritas, confrontar governos corruptos, derrubar elites egoístas, e revolucionar o status quo. É com você que quero construir a nossa paz, nosso reino.

É com você que canto, que sonho. Que fico sozinho, e que sou livre. É com você que meus olhos brilham, e minha garganta vibra. É com você que colocarei o chapéu de cabeça para baixo, que serei punido por um capricho, e que farei um lanche. É com você que trabalho sem desejo de glória ou fortuna. É com você que imagino que conquistarei a lua. É com você que não escreverei nada que não rime e é a você a quem prometo: deixarei as folhas e frutos serem suficientes, desde que eu os recolha em seu jardim. Pois é você quem amo.

Prometo que caminharei ao seu lado até o último suspiro, quando despertaremos para a próxima vida. Prometo que, por você, enfrentarei o poder das tempestades e de todas as feras que caminham sobre a terra. Prometo fazê-la sorrir, chorar de rir, e espantar seus momentos meditabundos. Sei que há fardos que somente você pode carregar, mas prometo, caso um dia você não consiga carregá-los, carregar você. Prometo ir até o final, até o fogo de Mordor. Prometo amá-la até nos libertar de todo mal, porque este amor ri de dragões vivos e é mais forte que a própria morte.

Você me é mais querida do que toda riqueza em salões, mas não será rainha, pois tampouco sou rei. Ainda assim eu casarei com a Dama Branca, se esta for sua vontade. E, caso seja de sua vontade, cruzaremos o Rio e, em dias cada vez mais alegres, habitaremos o belo Pequeno Reino, e lá faremos nosso jardim. Tudo por lá crescerá em júbilo, caso a Dama Branca venha comigo. Venha e se torne minha amada esposa. Para sempre.

[O Noivo abraça a Noiva e passa o microfone da Cerimonialista.]
[A Noiva lê, em voz alta, seus votos escritos.]

Votos

Noiva:
Quando te vi pela primeira vez, nas fotos do Nerd Spell, te achei muito divertido com todos aqueles cosplays, e com isso conseguiu despertar minha curiosidade e interesse. No início, achei que seríamos apenas amigos, mas, depois, conversávamos tanto que meu interesse só crescia. Passávamos o dia todo conversando e, muitas vezes, a noite também. Senti que tínhamos encontrado um no outro muitas afinidades e companheirismo, como quando a Vivi fugiu de casa e você ficou ao meu lado, e, mesmo estando longe, me deu todo o seu apoio.

Logo chegamos ao ponto de eu ficar ansiosa por suas mensagens, pois não queria mais parar de falar com você. E logo percebi que “O mundo não estava em meus livros e mapas. Ele estava lá fora.”, onde eu poderia lhe encontrar.

Quando então nos encontramos a primeira vez, logo senti que teríamos algo a mais… Pois além da amizade, que já estava sólida, eu me encantei com o seu jeito de andar, de falar e de me olhar, e quando tocou minha mão, fiquei toda arrepiada.

Assim, nas semanas que se seguiram, foi crescendo rapidamente o meu amor por você e logo não conseguíamos mais ficar longe um do outro.

Depois disso, eu não tinha mais tempo para pensar em nada: eu olhei você e, de repente, estava na sua. Foi como se os meus joelhos estivessem fracos e as borboletas dançassem em minha barriga, tomando todo o meu ar.

A partir desse momento, ficou muito claro para mim: foi quando eu soube que estava apaixonada, foi quando eu soube que você era o único, foi quando eu soube que você roubou meu coração.

Antes de nos encontrarmos, eu achei que já sabia de tudo, mas, quando nos encontramos, eu não sabia onde a noite terminaria e o que seria de mim depois daquela noite.

Aquele toque… você quase não segurou minha mão e eu já estava cheia de sentimentos que eu não sei de onde vinham. Nem em um milhão de possibilidades que sempre imagino, eu imaginaria naquela época que nós estaríamos aqui hoje.

Na verdade, nem deveríamos estar aqui, pois nada indicava esse caminho, mas estamos e:

“É como nas grandes histórias, as que realmente importaram. Cheias de escuridão e perigo, e às vezes você não quer saber o fim. Por que como o final poderia ser feliz? Como o mundo poderia voltar ao modo como era, quando tantas coisas ruins haviam acontecido? Mas, no final, é apenas uma coisa passageira essa sombra. Mesmo a escuridão deve passar. Um novo dia virá. E, quando o sol brilhar, ele resplandecerá mais claro. Essas foram as histórias que ficaram com você. Elas significaram algo, mesmo que você fosse muito pequeno para entender o porquê. Mas eu acho que eu entendo. Eu sei agora. As pessoas nessas histórias tiveram muitas chances de voltar atrás, só que não o fizeram. Eles continuaram, porque tinham no que se agarrar.”

Assim, te digo que eu prefiro compartilhar uma vida com você a encarar sozinha todas as eras deste mundo.

E você vem, desde então, conquistado a cada dia uma enorme importância em minha vida. Ao seu lado passei por algumas situações bem difíceis na família, no trabalho e no meu lado mais íntimo e pessoal, mas, com o amor que me deu, com sua amizade e companheirismo, aqueles momentos se tornaram mais leves e consegui superá-los com facilidade, e essa foi uma das coisas que me fizeram e me fazem admirá-lo e amá-lo ainda mais.

Assim diz o ditado: “a esperança talvez nasça quando tudo é desgraça.”

Amo suas covinhas quando sorri, e o seu sorriso ao acordar ao meu lado é como se o sol irradiasse toda sua força enchendo de luz e calor o meu dia.

Mas, ao mesmo tempo, você também representa a noite estrelada: quando olho para suas costas e te acaricio, vejo em suas pintinhas tantas estrelas como se fosse uma noite linda e sem fim. E tenho ainda a vontade de um dia conseguir contá-las… (risos) Se é que isso é possível… (risos)

Entretanto, é no seu olhar que me perco e me acho, e nele me sinto mergulhar nas profundezas do universo e dos mistérios da vida. Você consegue, com o olhar, me acalmar, me excitar e me fazer rir. E como você me faz rir! Por diversas vezes, eu rio tanto com você a ponto de doer a barriga e sair lágrimas dos olhos.

Penso muitas vezes que tenho muita sorte em ter te encontrado e aproveito a ocasião para agradecer mais uma vez aos espíritos da floresta, à lua, ao sol, às águas, ao fogo, ao ar e à terra; enfim à Grande Mãe Natureza, Yavanna e Pachamama por ter nos unido para finalmente podermos amar e ser amados profundamente.

“Pois não devemos nos questionar porque algumas coisas nos acontecem e sim o que podemos fazer com o tempo que nos é dado.”

Eu não sabia que havia você no mundo, não acreditava mais no amor, e não sabia o quanto eu me importaria com você.

“A escuridão havia me pegado e vaguei fora do pensamento e do tempo, as estrelas giravam acima e cada dia era tão longo quanto à idade da terra. Mas não era o fim, senti vida em mim novamente, havia sido enviado de volta até cumprir minha tarefa” – foi quando te encontrei.

Pois, depois de alguns anos, sentindo-me estagnada e sem motivação, ao vivenciar esse sentimento tão profundo, sinto que agora podemos atingir todo o nosso potencial, pois confio na nossa relação e nos valores que compartilhamos.

Eu quero passar o resto de minha vida com você e, por favor, me prometa agora que não morrerá antes de mim; isso seria uma grande traição e não irei suportar! Provavelmente irei atrás de você em seguida… (risos) Pois quero te acompanhar aonde quer que vás. Meu amor, esta cerimônia é apenas um simbolismo do começo do nosso “felizes para sempre”. Ainda temos muito para viver juntos!

Mas “Fim? Não, a jornada não acaba com a morte. Ela é só mais um caminho… um que todos temos que tomar. A cortina de chuva cinzenta deste mundo se enrola, e transforma tudo em vidro prateado. E então você vê. Praias brancas, e um grande campo verdejante, com um leve nascer do Sol.”

“E quando olhares o céu à noite eu estarei habitando uma das estrelas – pois o nosso amor me dá esse poder –, e de lá estarei rindo; então será, para ti, como se todas as estrelas rissem! Dessa forma, tu, e somente tu, terás estrelas que sabem rir. E teus amigos ficarão espantados de te ouvirem rir olhando o céu. Você explicará então: Sim, as estrelas, elas sempre me fazem rir! E eles te julgarão maluco.”

Não será fácil. E teremos de nos empenhar a cada dia em nossa jornada. Mas quero fazer isso porque te quero. Quero tudo de ti, para sempre, você e eu. Há muitas formas de se querer, sabe? Mas a minha é de um amor puro, incrível, alucinante. Um amor especial como poucos.

Saruman acredita que “apenas um grande poder pode manter o mal sobre controle”, mas não é o que descobri. Descobri que são as pequenas coisas, as tarefas diárias de pessoas comuns que mantém o mal afastado, simples ações de bondade e amor.

O melhor tipo de amor é o que desperta a alma e nos faz procurar mais. Que acende o fogo em nossos corações e nos tranquiliza a mente. Isso é o que você me deu. E é o que espero te dar para sempre.

Nos encontramos numa fase madura, mas ainda temos muito a realizar juntos, pois “Não é a força do corpo, mas a força do espírito que nos motiva.” Quero viajar com você para lugares exóticos, quero conhecer mais de cultura, gastronomia, religião e filosofia de outros povos; quero conhecer mais das belezas naturais desse planeta lindo e que ao seu lado ficou ainda mais maravilhoso. Pois mesmo vendo tantas imperfeições nos seres humanos e em suas relações, com você ao meu lado, tudo isso parece distante e sinto que o nosso amor nos blinda de qualquer interferência negativa externa. Até nas coisas negativas, consigo enxergar algo positivo. Vamos construir nosso pequeno reino e lá, enfim, será o nosso lugar nesse planeta, nossa base, onde firmaremos nossas raízes e solidificaremos nossa história de amor.

Me comprometo a ajudá-lo a amar a vida, sempre abraçá-lo com ternura, e ter a paciência que o amor exige. Para falar quando as palavras forem necessárias, e compartilhar o silêncio quando não forem. Para discordar em concordar sobre nossa cerimônia. E viver no calor do teu coração que sempre chamarei de lar.

Eu prometo sempre ser paciente e tolerante com você e suas manias. Prometo que cuidarei de você como “o precioso” que você se torna para mim a cada dia, cuidarei de sua saúde e tenho esperança de aos pouquinhos conseguir fazê-lo ter uma vida mais saudável, para que possamos aproveitar muitos anos ao lado um do outro com saúde e felicidade. Prometo ser alegre quando você precisar, sendo a luz nos lugares mais escuros e forte quando você estiver fraco. Prometo ser sempre companheira e amiga e sempre buscar uma melhor compreensão e o melhor diálogo, quando os pensamentos ficarem obscuros. Prometo buscar sempre ser uma pessoa melhor, para mim, para o planeta, e para você. Prometo lhe dar minha atenção, minha melhor amizade, meu carinho, meu amor e todo o meu coração.

Sinto-me feliz por partilhar isso com todos vocês que aqui estão presentes, nesta data tão importante para nossas vidas; sinto-me honrada por me conectar ao que traz alegria e sempre buscar formas de partilhá-la. Obrigada pelo apoio sem fim, da família e dos amigos, por acreditarem em mim e no que tenho a oferecer. Sinto-me grata por estar iniciando esse novo caminho com projetos de vida compartilhada em crescimento, uma relação amorosa incrível e rodeada pelo profundo abraço da natureza.

“Poderá vir um dia em que a coragem dos homens termine, quando desertarmos nossos amigos e trairmos os laços de amizade. Mas este dia não é hoje! Uma hora de lobos e escudos despedaçados, quando a era dos homens for destruída. Mas este dia não é hoje! Hoje nós lutamos! Por tudo que amamos nesta bela terra, eu peço que resistam, e que acreditem no poder do amor!”

Pois, como disse Sam: “Tem algo de bom neste mundo, Senhor Frodo… e vale a pena lutar por isso!”

Vamos então lutar juntos!

Sinto-me forte e pronta para o que der e vier, mesmo que em constante batalha com meus demônios interiores, e sabendo que por diversas vezes eu poderei cair, mas tendo a certeza de que sempre me levantarei mais forte e mais sábia. E sempre sabendo na parte mais profunda da minha alma que não importa quais desafios venham nos separar, sempre encontraremos o caminho de volta para o outro. Pois a era da solidão e do desencanto se finda e hoje começaremos nossa jornada firmada na amizade e no amor!
Eis-nos, agora, um do outro para todo o sempre, sem ansiedades, sem inquietações, sem angústias. Atravessamos e vencemos tudo o que era mal e que poderia ser fatal. Estamos na plena posse dos nossos dois destinos fundidos num só.

Pois meu passado ficou para trás. “O mundo agora, está à nossa frente. Onde você será sempre o meu lar.”

[A Noiva abraça o Noivo e entrega o microfone à Cerimonialista.]
[O Noivo e a Noiva apoiam seus microfones no púlpito.]

Cerimonialista:
Assim como tudo começou com a forja dos Grandes Anéis, vocês conquistarão a sabedoria dos elfos, as habilidades dos anões e o poder dos homens.

[COLOCAÇÃO DOS ANÉIS]
[A Cerimonialista acena para a Portadora das Alianças.]
[A Portadora das Alianças se aproxima, e entrega as alianças à Noiva e ao Noivo, e volta ao lugar.]
[A Noiva coloca a aliança no dedo do Noivo.]
[O Noivo coloca a aliança no dedo da Noiva.]
[O Noivo e a Noiva pegam seus microfones no púlpito.]
[A Cerimonialista sussurra os próximos versos aos nubentes.]

Noivo & Noiva:
Dois Anéis para juntos caminhar, Dois Anéis para nos encontrar.
Dois Anéis para o amor trazer, e na luz nos libertar.

Cerimonialista:
Para consolidar este desejo, Um Só se tornarão perante a Eru Ilúvatar, em Chama Imperecível abençoada pelas Salamandras, pelos Gnomos, pelos Silfos e pelas Ondinas. Vocês construirão, em uníssono e dentro de vocês, o Pequeno Reino.

O Compromisso

[PARTE IV: O COMPROMISSO]

[TEMA DO COMPROMISSO]
Música do Compromisso
Nome: Evenstar
Autor: Howard Shore & Isabel Bayrakdarian
Álbum: The Lord Of The Rings: The Fellowship Of The Ring (Soundtrack)
Período da Música: 00:00 – 01:00
Duração: 01:00 (fade, se necessário, após o término das próximas ações)

[O Noivo e a Noiva apoiam seus microfones no púlpito.]
[A PARTIR DAQUI OS MICROFONES DOS NUBENTES NÃO SERÃO MAIS USADOS.]
[A Cerimonialista sai de trás do púlpito e entrega a agulha à Noiva.]
[A Noiva pega a agulha, fura o indicador esquerdo, e entrega-o ao Noivo.]
[O Noivo pega a agulha, fura o indicador esquerdo, e devolve-o à Cerimonialista.]
[Os dedos são encostados e as mãos dadas.]

[A Cerimonialista pega a Jarra e molha as mãos dadas.]

Cerimonialista:
O mundo está mudado. Eu sinto isso, e molho-os com Água.

[A Cerimonialista pega o Incenso e passa a fumaça nas mãos dadas.]

Cerimonialista:
Eu sinto isso, e cheiro isso no Ar.

[A Cerimonialista pega a Terra e salpica nas mãos dadas.]

Cerimonialista:
Eu sinto isso, e toco-os com a Terra.

[A Cerimonialista pega o Castiçal e passa embaixo das mãos dadas.]

Cerimonialista:
Eu sinto isso, e esquento-os com o Fogo.

Cerimonialista:
O mundo mudará, mas o poder destes anéis jamais poderá ser desfeito. Algumas coisas que não deveriam ser esquecidas podem se perder. História pode se tornar lenda, mas vocês jamais trairão suas essências. Lenda pode se tornar mito, mas vocês permanecerão fiéis a si mesmos. Vocês alcançarão a vitória, pois seu Amor é mais forte que as fundações deste mundo.

[A Cerimonialista envolve levemente as mãos dadas com um cordão dourado.]
[A Cerimonialista volta para trás do púlpito.]

Cerimonialista:
Finalmente, a grande aventura está agora a um passo. Hoje e amanhã ainda hão de ser ditados. As chances, as mudanças são de vocês, pois até a menor das criaturas é capaz de mudar o rumo do mundo. Os moldes de suas vidas estão em suas mãos para serem quebrados e reforjados por Yavanna.

Os faróis foram acesos e a Esperança estará ao seu lado, enquanto o companheirismo de vocês for verdadeiro. Ergam-se agora! Ergam-se como marido e esposa perante a Gondor e Rohan! Por todas as coisas que você julgam queridas nesta boa Terra, e com a aclamação de todos aqui presentes! Avante, Helena e Daniel!

[Os nubentes se beijam.]
[A Cerimonialista joga pétalas de flores acima das cabeças dos recém-casados.]
[A Cerimonialista puxa palmas.]

[FINAL DA CERIMÔNIA]
Música de Fim
Nome: Flaming Red Hair
Autor: Howard Shore
Álbum: The Lord Of The Rings: The Fellowship Of The Ring (Soundtrack)
Período da Música: 00:00 – 02:39
Duração: 02:39 (inteira)

[FIM]

Obs.: A Cerimônia foi criada, escrita e roteirizada por Daniel Lima e Helena Pelúcio. Os votos foram escritos individualmente, e sem que o outro soubesse o que um havia escrito.

O beijo

Salamandras

– Olá, eu me chamo Anurro.

Não obteve resposta imediata. Pereci se encolheu, com as mãos se juntando aos peitos magros e gravitados. Não sabia porque decidira ir até àquela festa, na praça em frente à Igreja de Nossa Senhora de Xuripitanga. Não queria, não estava pronta para aquilo.

Olhou para os finos gravetos que lhe acenaram. O velho enrugado quase não tinha dente, mas insistiu em sorrir com a abundância de polpa que os lábios finos escondiam. Os olhos negros vibravam, enquanto o bafo de cupim a inebriava. Alguns fios gris se enrolavam por trás das orelhas longas e pelancudas, e o nariz embolotado refletia a palidez da lua de junho que a liberava do castigo.

Era a única noite do ano que a Gorda Manchada lhe permitia sair. Mesmo com juras e mais juras de que nunca mais sairia, Pereci cedia, sempre no último instante, à tentação de encontrar seu salvador. Porque a tentação é muito mais poderosa que a desesperança, e matou o gato.

Sentiu vontade de correr, mas percebeu que não era a única deslocada de toda a folgança que coloria a noite. Ali estava, à espreita entre as árvores, observando a algazarra de sanfonas e cheiro de milho que fora condenada a admirar pela eternidade, sozinha. Fugia de seu povo, porque tinha vergonha. Vergonha da solidão, do abandono, do esquecimento. Mas Anurro, aquele fulustreco lustroso a encontrara, em meio a furtividade saltitante por trás do verde-negro da mata.

– Eu… hã… Pereci é meu nome. – e a pequena idosa chegou a babar a dizer seu nome em voz alta pela primeira vez em décadas.

– Você também…

– Sim, eu esperei por tanto tempo.

Bandeirolas dançaram ao vento, que abafou todo o entorno. Aquele momento congelou o luar, que esbravejou orvalho nos beiços dos olhos cansados e sulcados do casal. Anurro envolveu as mãos encarquilhadas de Pereci, e se beijaram. O mundo girou e a Gorda Manchada gritou, em espasmo irascivo que não pôde impedir o encontro molhado que libertou os prisioneiros.

Um par de batráquios afundou na lama das pegadas de suas maldições. Os papos vibravam em uníssono, celebrando por poderem voltar à sua própria espécie, como livres de qualquer maldição. Coaxaram e, desta vez, não foi para quebrar a solidão, mas para agradecer ao outro. E se deram as costas, saltando e seguindo a própria vida em busca do pulgão mais apetitoso.

Pequeno Ensaio Contra A Moral

A virtude não existe. Não pode ser, nem é, nada além de uma ilusão em massa, criada por um coletivo organizado, difundido e julgado por tal como a prática da moral preestabelecida e concebida. É incentivada, enquanto que o vício, ou seja, a sublevação contra as proibições oriundas da Moral, é desencorajado, marginalizado, execrado e punido. A virtude se resume a um mero julgamento de valor, um reles adjetivo dado a uma prática, ensinada e aprendida, e é aí que se difere energicamente do vício. O vício é violento; e só existe com um princípio ativo de rompimento, de quebra, de destruição dos valores morais ou dos tabus em que uma sociedade se acorrenta. O vício é a violência como causa; enquanto a virtude, passiva e fabricada, só se sustenta através da força, física ou psíquica, e se torna o efeito de tal violência.

A dualidade entre virtude e vício, entre o Bem e o Mal, é um problema que atravessa milênios de História. A dicotomia seca, árida, infértil, que aprisiona as mentes e as sociedades é, senão o maior, um dos maiores inimigos da Razão. Os opostos não podem e nem devem ser encarados como opostos, como duais, como arqui-inimigos: são facetas de mesma essência, e não são limitados e confinados em si, mas extensos, confundíveis, e com margens e graus tênues que separam (e misturam) um ao outro. O frio não é oposto ao calor, mas não existe sem o calor, e pode até ser calor, se comparado a uma mesma faceta mais fria. São graus, escalas, áreas, medições infinitas e indivisíveis que se mesclam entre si, que imergem em uma profusão de diferentes e relativas visões e interpretações.

A virtude e o vício não passam de extremos, como o frio e o calor, de um termômetro extremamente rígido, inflexível e inquebrantável, ao qual chamamos de sociedade. São impressões, conceitos ilusórios, causais ou consequentes, ativos ou passivos, que se tornam leis inquestionáveis para reger uma idiossincrasia estúpida, mas que servem propósitos escusos (massificação, manipulação, manutenção).

Toda sociedade possui a virtude como o Bem, a Moral em prática, enquanto que o vício não passa de um Mal social. O inatismo do vício de Hobbes consolida a sociedade como lar e paraíso da virtude, aprisionando os instintos do homem, em sua natureza maus, com os grilhões da Moral. O vício é a ação humana, a violência, o Mal, enquanto o Bem só existiria com a virtude, com o aprisionamento do homem e sua submissão à Moral. Rousseau contrasta Hobbes, quando afirma que o homem nasce virtuoso, mas, ao sofrer os impactos da Moral, ao ter sua liberdade violada pelas correntes da sociedade, se entrega aos vícios. O embate entre Hobbes e Rousseau é eterno, mas, a um olhar superficial, sempre parece resolvido.

 Ao vincular a existência da virtude ao julgamento Moral da sociedade, Hobbes parece preponderar. Apesar de Rousseau acreditar que a sociedade fosse capaz, ainda que através da virtude inata dos homens, preservada ao extinguir os grilhões morais e a desigualdade, de propagar o Bem, tal virtude, tal Bem não seria uma criação social, uma ilusão coletiva, um conceito não existente. Parece que a virtude, para Rousseau, existe, independentemente da sociedade e da Moral. Mas, ainda assim, a virtude não pode existir sozinha, individualmente, sem o julgamento de outro, sem o parecer de um indivíduo externo. Nem mesmo para Rousseau. A virtude deve e precisa ser comparada se quiser existir, se quiser ser uma virtude.

A sociedade de Rousseau é paradoxal à de Hobbes: enquanto uma promove a virtude, em detrimento dos vícios, a outra combate-a, utilizando-se dos vícios para isso. Enquanto que, na primeira, os vícios são ferramentas para se romper com a Moral, na última, a virtude é utilizada com tais fins. Bem e Mal, virtude e vício se misturam, em uma amálgama de conceitos e interpretações que se convergem na Moral, por si só. E esta Moral, independentemente de ser boa ou má, em termos extremos e inconciliáveis, irá promover a virtude como o Bem, a seus olhos, e condenar o vício, como o Mal, em seus julgamentos. Distorcida ou não, a Moral é absoluta, inquestionável, e é violenta por natureza: ela decidirá o que incentivará como virtude e o que rechaçará, como vício. E aqui, Rousseau parece muito mais coerente que Hobbes: o homem nasce imoral, e a Moral nos corrompe a todos.

A Comédia Divina

Eu tive um sonho ontem, e preciso compartilhar com vocês: eu ia até o Inferno.

Ao chegar no Inferno, eu, Orrabante de Caralhieri, fui elegantemente recebido pelo ilustríssimo Walter Mercado, o Dumbledore da novela O Clone, que nos convidaria a uma tour, dizendo “Ligue Djá”. No portão dos Ínferos, uma inscrição: “Deixai todo o metal, ó vós que entrais”. Não havia cadeados, nem fechaduras; mas uma porta giratória transparente igualzinha àquelas de banco, que vivem travando pobre com moedinha no bolso ou corrente de camelô no pescoço, e que nunca servem para porra nenhuma contra um assalto de verdade. Fiquei três horas rodando e indo e voltando por aquela budega, até ter de tirar o marca-passo colocado pelo SUS, e morrer mais uma vez. Mas foi de boa, porque já estava morto mesmo.

Passando pelo Portão, cheguei ao Vestíbulo, onde se encontravam todos os isentões que não iriam nem para o Céu, nem para o Inferno. Eternamente condenados a ouvir uma palestra de Leandro Karnal, relembrando-os que todo o sofrimento que tiveram foi porque furaram fila, corriam em círculos de uma motosserra. Na plateia, demônios com a cara da Kátia Abreu o xingavam, por vezes de bolsominions, outras, de petralhas. A maior tortura, no entanto, era eles mesmos saberem que foram ciristas.

Mercadão, como eu mesmo o apelidei, só sabia falar “Ligue Djá” e me chamou para o barco. “Ligue Djá” – disse ele. Atravessamos o Rio Doce, todo cagado por uma lama marrom-cocô-de-infecção-intestinal, e passamos por vários Demônios de Gólgota atolados na merda. “Ligue Djá, Ligue Djá” – disse o mago da moda cigana-rowling – e eu sei lá porque cargas d’água entendi que aquelas criaturas já foram pessoas que acreditavam que os jogadores do Flamengo mortos no incêndio do Ninho do Urubu deveriam ser indenizados de acordo com o talento e a previsão de sucesso de cada um. “Ligue Djá” – disse ele novamente, e me garantiu que nem ele próprio, o Álvaro Dias porto-riquenho, seria capaz de fazer.

 

O Primeiro Círculo: o Lembas (virtuosos chatos para caralho)

Aqui, encontrei pessoas boas. No bom sentido mesmo, e não pessoas gostosas, o que não deixa de ser um bom sentido também. Eram elas: os ateus que ficam de boa (não aqueles ateus-modinhas que não entram em igreja porque “ain, sou contra, blábláblá-whiskas-sachê”), os crentelhos que são bondosos (mas continuam chatos BAGARAI, tipo tocando às sete horas da madrugada do domingo para levar a palavra da putaquepariu), e os elfos do Senhor dos Anéis (que só são foda para caralho nos filmes, porque nos livros são tão chatos quanto um ent). O ruim era que só tinha umas dez cabeças e, tirando os elfos (que eram os mais críveis), achei que o resto fosse fake news do Capiroto para não deixar aquele lugar vazio. Ali, só se ouvia lamentações e suspiros, o que era bem condizente com o que eu ouvia (ou imaginava ouvir) quando um deles abria a boca.

 

O Segundo Círculo: o Tinder (transantes e não-transantes)

Chegamos ao Templo do Rock, e ele estava lá. O ícone, o mito, o Juiz do Inferno: Serguei – o Desbunde Eterno. Pacientemente, e dopado por umas 25 drogas diferentes, ele ouvia as confissões surubásticas dos mortos. Ao som de Janis Joplin, ele condenava-os a um determinado círculo enrolando-os com sua gigantesca giromba. Quantas voltas a giromba em torno do condenado era o círculo correspondente do Inferno ao qual estava destinado. Mamilos neon flutuavam e piscavam no ar. Percebi que este era o preferido de Mercadão pelo seu sorrisinho no rosto abótoxado. O lugar tinha uma vibe bem tranquila mesmo, mas mais diante, ficava o Tinder: uma aberração onde não-transantes destransavam os transantes escrevendo perfis toscos com “gosto de um bom vinho” (quem curte beber mijo de capeta, porra?). Ou postando foto com bico de pato no espelho do banheiro, talvez para provar que pode nem dar o toba, mas sabe deixar a boca igual a um. Quando olhei para o lado, Mercadão se empinava, fazendo um prolapso anal com aquela beiçola: “Ligue Djá” – disse ele, e fomos para o próximo círculo.

 

O Terceiro Círculo: o Não Fóde Truck (os “dores”)

Pegando o bonde do círculo anterior, este aqui era o dos “organiza-dores de suruba”, os que querem cagar regra em qualquer bosta já cagada, e dos “gourmetiza-dores”, os que mudam o nome de qualquer coisa, adicionando tompero e voilá. Ambos vendem o mesmo produto: chorume antigo, mas com o dobro do preço. Tipo a Hinode, o Herbalife da nova geração, e os food truck, que eram os antigos podrões (agora com luvas e orégano). Até o puteiro foi gourmetizado; agora é whiskeria. Ah, não fode.

Neste círculo não havia, por incresça que parível, ninguém organizando nada, mas demônios me disseram que esperavam ansiosamente por Michel Chamon, o organizador de suruba mais virjão de todos os tempos. E apontaram para uma pilha de pacote de Ruffles: “Aquilo ali é tudo para encher o cu dele de farelo” – disseram. Enquanto isso, os “dores” ali sofriam ventanias de Dionísio, transformando tudo em caos, levando, arrastando, misturando e fazendo tudo voar pelos ares. Walter Mercado estava cabisbaixo, sorumbático, macambúzio, bocicódio, eu diria. E eu sabia porque: o Mestre da Displasia Facial Voluntária Cirúrgica sentia-se obsoleto, pois, agora, era outro Mercado que mandava na porra toda. Um cuja mão é invisível porque está sempre atochada no nosso cu.

 

O Quarto Círculo: o Ancapião (neoliberalóides e afins)

Falando no novo Mercado, chegamos à cidade de Ancapião, capital do Quarto Círculo. Era uma cidade de escravos neoliberalóides, ancaps e anarco-qualquer-bosta, eleitores do NOVO, meritocrentes (os crentelhos da meritocracia), e até alguns ciristas e petistas. Com uma classe méRdia gigante que dormia num chiqueiro à noite, mas, de dia, saía em busca de trufas no meio da merda dos demônios a quem serviam, a cidade fervilhava eternamente em cores verde e amarelo e ao tinir de panelas se batendo. Os anarco-qualquer-bosta cuspiam merda pela boca, porque pagavam imposto para cagar (não muito diferente da realidade, convenhamos).

Era uma cidade lotadaça daqueles capitalistas sem capital, que viajam à lazer só nas férias, remuneradas ou não. Tinha um curral gigante, com várias baias; uma delas transbordava roqueiro-modinha, aquele que acha possível ser roqueiro e conservador, e que se acha o vikingzão só porque deixa barba e cabelo crescer (mal aguentavam mosh e se infiltravam em meios BDSM para justificar que gostavam de bater em mulher). Ao som de funk proibidão, Hladgerd comia o cu de cada com um dildo feito com casca da própria Yggdrasil. “Rrrrranca cabaço, é o bonde dos careca” – entoava o mulherão, com o bafo mais frio que o vento de Galdhøpiggen no inverno.

 

O Quinto Círculo: Rio de Lava de Janeiro (ou Hell de Janeiro)

De um extremo ao outro, chegamos ao cerne do plasma de quark-glúons, onde até minha unha suava. Com uma temperatura de mais de 4 trilhões de graus Celsius, Paulinho me acenou do alto de uma onda de lava. Estava surfando numa prancha feita de cariocas que amam o verão carioca, mas que trabalham no ar condicionado, andam de carro com ar condicionado, dormem no ar condicionado, e não suam quando fodem. Por quê, adivinhem? Porque não fodem.

Mercadão ficou do lado de fora, porque o calor podia derreter a maquiagem e o botox, mas Paulo Freire me recebeu de braços abertos. Sem abraços e sem encostar porque estava calor PRA CARÁLEO: ali era o círculo da ira, do ódio, da raiva, da cólera, da disenteria, da tuberculose, da lepra… não, pera. Segundo ele, este círculo já tinha sido frio, na época de Hitler e zás, mas ficou quente, para se modernizar e se inspirar no Rio de Janeiro e seu clima favorável à milícia, digo, ao cristianismo, digo, ao ódio.

Mas que raios você, logo você, está fazendo aqui? – indaguei. E Paulinho estava ali, pasmem, para educar todos os amantes da treta, propagadores de ódio, insufladores de peleja. Paulo Freire era Kratos, o Deus da Guerra, educando a intolerância com a intolerância. Tipo, sei lá, um olho-por-olho meio maquiavélico. Mas o que funcionava ali era isso: o Paradoxo de Popper punching nazi, mesmo quando não era nazi (só para aprender a deixar de ser babaca mesmo).

Este círculo abrigava desde os uvapassistas até os cristãos-defensores-da-pena-de-morte. Mas as maiores alas, apesar das alas inúteis como “mães versus mães de pet” terem crescido consideravelmente nos últimos tempos, ainda continuavam sendo Futebol, o ópio do povo, e Religião, o ódio do povo. Despedi-me dele para continuar o tour, quando o suor começou a ferver e borbulhar.

 

O Sexto Círculo: a Igreja Homeopática do Terraplanismo Ariano

Este era o lar de Walter Mercado, a terra das fantasias, dos unicórnios, do Papai Noel, do Coelhinho da Páscoa, de Deus, e do Mister M. Uma terra onde Adam Sandler poderia ser ator e Los Hermanos seriam capazes de tocar música (e Jorge Vercilo também). Uma terra em que Luiz Philippe de Orléans seria príncipe e faKim News Kataguiri se tornaria uma divindade. Uma terra onde Dragon Ball Z seria bom e se chamaria Cavaleiros do Zodíaco: a terra da astrologia, da homeopatia, do terraplanismo, do coaching.

Ao longe, a carequinha coroada rei daquele círculo brilhava; era ele: NO ECZISTE! – bradou. Papa Quevedo comandava a Igreja Homeopática do Terraplanismo Ariano, com a bíblia escrita por Richard Dawkins, e suas várias congregações. A Congregação dos Abortinhos Vivos (ou Bebês do Walking Dead), por exemplo, abrigava os adeptos do movimento antivacina, que eram obrigados a tomar injeções de extintores de incêndio, enquanto viam seus bebês sangrarem pelos olhos e suas peles derreterem em pústulas.

Em uma construção mais distante e moderna ficava o chamado Grande Colisor de Coachs, onde canhões de energia quântica arremessavam coachs quânticos, fazendo-os colidirem em velocidade quântica, para tentar mudarem o mindset quântico deles. Eles acabavam depositados num fosso, como uma massa disforme que parecia o Krang, tal qual o chiclete mastigado que não funcionava como o cérebro quântico deles.

 

O Sétimo Círculo: Vale do Diglett Desmaiado

É um vale, mas não “O” Vale. Aqui só tem hétero-top. É dividido em duas bandas de bunda: a esquerda e a direita. Na esquerda, habitam os esquerdomachos, de barbas floridas, saias hippies e sandálias. São maconheiros e ateus/pagãos, poliamorosos e paz e amor, iogueiros e tântricos, e mais feministas que a maioria muitas mulheres. No lado direito, estão os machões-faz-arminha-com-a-mão. São cristãos-conservadores e cheiradores, crossfiteiros e homebrewers, tiram selfies dentro do carro com óculos escuros, se vestem de mulher ou saem sem camisa só com quepe no Carnaval, e traem a esposa/namorada com quem der mole (inclusive com o parça, mas só no sigilo). Foram condenados a uma eternidade medindo o pau um do outro, e à masturbação mútua, enquanto um buraco gigante no meio do Vale os soterra com caralhinhos voadores. Quem demorar mais que três minutos para gozar, é libertado e pode ir para o Céu (em 25 eternidades ainda não houve registro de alguém que tenha conseguido).

 

O Oitavo Círculo: Retrospectiva da Globolixo

Os mortos ali não foram pessoas em vida, mas sim robôs descerebrados e desengonçados replicantes de seres humanos. As cabeças eram guilhotinadas e abertas, para que tirassem os bagulhos de dentro. De aventais e máscaras cirúrgicas, os demônios eram Frankensteins de fezes, liderados por um grupo que observava do alto, marcado com suásticas nas testas à la Aldo Raine. O cheiro era um misto de praia do Leblon com metrô de Paris no inverno. Na cabeça vazia, era colocado um cérebro, e ganchos abriam bem seus olhos. A danação eterna, segundo Mercadão (“Ligue Djá!”), era que eles assistiriam toda a vida que viveram, mas agora com um cérebro capaz de raciocinar. O círculo era habitado por muitos militares, mas essencialmente por bolsominions e olavetes. Os olavetes também recebiam um corpo para trabalharem afim de pagar as despesas médicas do próprio guru astrólogo e coach em Filosofia. Em dólar.

 

O Nono Círculo

O Nono Círculo estava vazio. Não tinha nada, nem paisagem, nem nada. Tudo em branco. Ué? – perguntei.

– Ligue Djá! – Mecadão me respondeu.

E eu finalmente entendi.

O Nono Círculo comeu o cu de quem estava lendo.

Puta Merda

Puta merda. Sempre adorei a expressão “Puta merda”. Por três motivos principais; primeiro, porque adoro surpresas. Segundo, porque puta é quem eu sou, não apenas o que faço para sobreviver. Por último, porque minha vida é uma merda.

As pernas eram parte fundamental da vitrine, então precisava deixá-las à mostra. Couro podia até ser quente, mas naquele frio não evitava que minha bunda congelasse. A porra do vento que entrava por baixo batia de frente com a minha buceta, eriçando os pelos pubianos, já que não os aparava toda santa noite. Pelo menos podia cobrir a barriga e os peitos com a jaqueta, aquecendo-me até o próximo carro encostar e baixar o vidro do carona.

Ah, arrependi-me das vezes que praguejara contra Reinaldo. Um dos meus clientes mais assíduos, o velho broxa era uma solução bem-vinda para escapar daquela friaca. Lembrei-me de quando insistiu para que fosse a sua cobertura. Era hábil com as palavras, mas nada sedutor. Aquela porrinha carrancuda, de pouco mais de metro e meio, tinha pequenos olhos, com as bochechas sobressaindo na cara redonda. Ele, talvez o único que já fizera isso, sempre parava e descia do carro para tratar de negócios comigo. Apelidei-o de Rei da Roça, pois não descartava o flerte, mesmo após o décimo encontro. De gestos ensaiados, tocava meu ombro com unhas compridas e de esmalte incolor, com preocupação em demonstrar respeito, até mesmo um certo carinho, por trás de toda aquela aparência xucra; era um nobre dos tempos modernos. Os cabelos encaracolados, oleosos e pintados camuflavam a idade, mas nem tanto. O arco dourado e grosso que espremia o anelar gordo me deprimia, pois sabia que uma pobre alma estava condenada a deitar-se toda noite com aquela criatura asquerosa. Puta merda! – era o que dizia toda vez que via o monza cinza reduzir para o acostamento. Mas pelo menos não morria de frio.

Enquanto isso, ficava ali mesmo parada, sentada no meio-fio da Avenida Marcus Cherem. Sem aquele bololô de gente que o dia traz, o lanche da madrugada era um cigarro após o outro. Se fosse uma segunda-feira, não estaria mofando ali. A esta hora, já estaria no quinto cliente, com o colo arranhado em carne viva de tanto sentar. Se tivesse sorte, teria, até o raiar do dia, uma estocada decente. Uma daquelas que faria sentir-me menstruada. Aquela foda que latejasse o útero, e deixasse minhas coxas internas escorrendo a mistura rosa de fluidos meu e do benfeitor. Porque era isso que esperava, no mínimo, a cada noite de trabalho. Não aquele frio do caralho.

Uma Brasília vermelha-tímida dobrou a esquina do quarteirão. Levantei e ajeitei a saia. Devagar, ele encostou e abaixou o vidro. Debrucei e larguei o slogan pessoal:

– Olá, gato, a fim de foder forte e gostoso? – junto com piscadela e o peito à mostra, quase nunca perdia um novo cliente.

Pelo que pude ver, era um garoto de no máximo vinte anos. Devia estar cursando a faculdade e resolveu desestressar um pouco antes das provas finais, saindo com o carro que papai lhe dera há pouco menos de dois anos.

– Qua-quanto é? Ou custa? – voz baixa, como se não quisesse que ninguém ouvisse ou tivesse vergonha do que fazia ali.

– Para você, amor, faço por cinquentinha a hora.

– Vo-você faz… hum… anal?

Ora, ora, quem diria? Estava crente que minhas beiças fumariam um charuto (ou um cigarrinho, porque descobri mais tarde que o garoto era todo tímido, se é que você me entende), mas ele queria mesmo era apagá-lo no meu olho. Do cu. Olhei-o de cima à baixo, somente para disfarçar. Fiquei imaginando se aquele garotinho conseguiria abrir minha bunda e atochar com força, tirando sangue do meu rabo e fazendo-o correr quentinho pela beirada, dois dedos à frente (ou abaixo, dependendo da posição). Só fiquei na imaginação mesmo.

– Mais vintão e eu boto você todo pra dentro desta bunda gostosa – e virei de costas, levantando a saia.

Funcionou. O Motel Scorpion ficava um pouco mais à frente e nem deu muito tempo de passar a marcha para relaxá-lo. Conversa vai e conversa vem, ele me revelou que era virgem. Foi pá-pum. Mal tirei a roupa, encostei no biro-biro dele e puf – jorrou leite, com violência jovial. Bom para mim, que economizaria tempo ao voltar para aquele frio do inferno. Bom, não era o mesmo frio, porque praquele inferno, eu não voltava. Nem fodendo.

Em pouco tempo, estava lá de volta: vento rasgando a buça e calçada gelando o cu. Depois de mais um ou dois, não me lembro, minha buceta estava cheia de porra, do jeito que eu gosto. Eu sou uma “puta imunda”, no sentido literal da expressão, porque não tomava banho e acumulava golfada. Sim, eu só fazia no pelo; era o jeito que eu curtia. Sei lá, acho que eu absorvia todo aquele caldo branco, me alimentava daquilo, de sexo. E era assim que mantinha clientes naquela noite vazia e fria, e que me divertia quando algum desavisado insistia em chupar a xoxota lambuzada e usada, cuspindo e xingando ao sentir o gosto de água sanitária.

Desta vez, nem praguejei contra ele, e veio. Eu gosto mesmo de meter, sentar, rebolar, dar. Mas, puta merda, com aquele catiço era dose. Não havia nada ardido ainda quando chegou; estava pronta para ser usada. “Lavô, tá novo”, mas não tinha nada limpo ali. O monza encostou: o Rei veio para mais um episódio de tantos outros de traições à sua senhora. Puta merda. Pelo menos, era o último.

A monogamia é aquele joguinho cujas regras todos já sabem. Sempre que o outro vira para o lado, dão uma roubadinha. Por isso, ninguém nunca enuncia as regras antes do início do jogo: fica mais fácil de jurar inocência depois, ao alegar que “não sabia”. Preciso assumir que amo demais estas regrinhas; ora, aqui sou puta e vivo graças a elas.

O que seria de mim sem a Srta. Moral? A porra do planeta viraria palco para uma fodelança maior que a cena famosa em Perfume, que só sairia daqui a alguns anos. Ninguém iria pagar por uma chupada ou pela obra de arte que era a minha rebolada numa piroca. Bem, talvez realmente não houvesse mais infidelidade, mas haveria traição. Ah, sim. Porque o homem se diverte com a mentira, mais até do que metendo num cu apertado. Por isso, me pagam para fechar os olhos para a Srta. Moral, enquanto eles mesmos, os putos, cagam na cabeça dela, com eufemismos como “caso”, “relação extraconjugal”, e o diabo. Puta merda.

Tudo bem que não havia relacionamento comigo, e isso o dinheiro garantia no final. Com a amante era diferente: havia relação, ainda que fosse considerada puta, mas comigo, com uma “puta de verdade”, não havia. Pois bem, permanecia ali, no limbo entre a traição e uma relação extraconjugal, sem moral alguma para julgar alguém. Ou pelo menos, era o que achavam.

Vamos pular a parte do flerte porque eu era paga para ouvir aquilo. Vocês não. O aquecedor do carro estava ligado no máximo, e Reinaldo suava em bicas, com as papadas apertadas na gola da camisa social estufada. Meti a mão no meio das pernas dele, e ele se ajeitou. Fiquei curiosa para saber qual era a justificativa que usava para trair a esposa. Seria falta de tesão nela? Seria falta de tesão dela? Sei lá. Já ouvi tantas desculpas que dá até vontade de rir, de tão forçadas que são. Vai ver a Rainha da Roça não curtia lamber o cu fedido e peludo dele. Não importa; qualquer que fosse o motivo, ele estava ali, prestes a me foder com todos os seus três minutos de fôlego e sorriso amarelo.

– Você sabe que hoje é o nosso décimo terceiro encontro?

O velho arregalou os olhos e franziu a testa. Engasgou e riu, sem saber o que dizer.

– Eita, preula. Verdade?

– Sim, eu contei, amor. E hoje, você vai sentir isso aqui diferente. – levantei a saia, apertando com os dedos a racha.

Estava escorrendo pelas coxas, deixando uma poça no banco do carona. Porque era a última vez dele, e eu sempre acabava gozando horrores nestes casos. Mais que com qualquer destas bimbadinhas mundanas.

– Encosta o carro. Vamos comemorar aqui mesmo; quero que me foda agora, aqui mesmo. – molhei as camadas untadas dos seus dedos na buceta e lambi-os. As unhas eram bem cuidadas, mas para disfarçar as crostas debaixo, mas não camuflavam alguns panarícios.

O Rei titubeou e diminuiu. Quando o monza parou, enfiei-me de pernas abertas entre sua barriga sobressalente e o volante, roçando pentelhos em botões que quase pipocaram. Puta que é puta vende ilusão. A ilusão de que o bagulhinho é desejado, de que o trocinho dá prazer, de que o canalha é poderoso. Mas algumas putas achavam que só vendiam sexo, que só vendiam o corpo. “Putas não beijam” – diziam elas.

Segurei as bochechas ásperas e rubras, tascando o beijo, o último. Senti uma cutucada de brim no grelo: o biro-biro acordara dos mortos. Veio prestar-lhe a última homenagem, pensei. Então mordi sua língua e a arranquei com os dentes, enquanto rebolava naquela piroquinha meia-bomba. O desgraçado se debateu e tampei sua boca. E não é que o filho da puta se excitou com isso? Encaixei-o dentro de mim, com o pau pulsando mais que as luzes foscas do Scorpion. Chifres dilataram minha testa; era hora de revelar minha verdadeira aparência, já que me possuíra tantas vezes, sem ter ideia de quem sou. Ou melhor, do que eu sou. Asas irromperam pelas laterais do Chevrolet, olhos choraram betume, e dentes sulcaram as gengivas. Reinaldo revirou os olhos, enquanto se afogava engolindo o próprio sangue. Tinha sentido pena dele, mas tinha fome e aquele cotoco latejava dentro de mim. Como a todos os outros, dei-lhe as doze chances de se arrepender, voltar atrás e fingir que nunca tinha me conhecido. Ele voltou, e voltou, esquecendo a Srta. Moral, e trocando a Rainha por mim, esta puta tão bonita que não acreditavam que era barata. Tão gostosa que não acreditavam que eu fosse tão puta. Tão puta que não acreditariam que eu era um demônio, nem se eu confessasse. Para o Rei, cada encostada do monza cinza era seu Éden, e um puta merda para mim.

Como já disse antes, vão inventar todo tipo de justificativas para a mentira. Ah, sim, meu charme é sobrenatural, místico, blábláblá. Porque nem Ele, em toda a onipotência divina, era capaz de recusar a buceta arrebatadora da Criadora do Tesão, Rainha das Súcubos, a Primeira das Putas. Com uma simples batidinha de asa, minha borboleta abraçaria a pemba toda-poderosa, em magnetismo tão forte quanto o que faz o Mjolnir procurar a bunda do Thor. Confiava no poder da própria buceta, que há milênios garantia sua estadia no mundo dos homens. A fé pode mover montanhas, mas uma buceta movia cordilheiras, picos e picas. Meu cu, então, movia mundos inteiros.

Mas não havia desculpas. Violei o pomo de adão com os dentes, enquanto perfurava a costela com as garras, numa vingança bíblica, ainda que fictícia. Pela décima terceira vez, arranquei o jato de porra, mas, agora, a alma fora junto. O Rei fechou os olhos e aquietou-se, mas o carro ainda se sacudia sobre as rodas inertes. Ninguém sentiria minha falta lá embaixo, pelo menos por mais uns treze anos. “Melhor reinar sobre a merda, do que servir no Céu. Ou no Inferno.” Banhei-me e saboreei a carne do homúnculo, porque sabia que teria de voltar ao relento e, desta vez, não haveria Reinaldo para salvar-me da friaca.

Puta merda.

***

Perversão – Muito Além Da Cama

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Pessoal, ficou pronto o livro Perversão – Muito Além Da Cama, escrito pela minha amiga Carolina Gaio, para o qual colaborei, sob a alcunha de Medieval Dragon, com uma entrevista sobre a intersecção entre BDSM e Poliamor, onde abordamos diversos outros temas, desde preconceitos a situações inusitadas.

Leia um pequeno trecho abaixo:

“Na sociedade atual, o sexo ou qualquer assunto relacionado ao prazer sexu­al é ainda um tabu, cercado de má interpretação e que pode trazer à tona vários tipos de discrimi­nação e de outras sanções sociais (desde bullying até agressão física).

A analogia entre BDSM e violência, a conotação pejorativa do sexo casual, a generalização do sado­masoquismo como prática homossexual e a confusão do poliamorismo com pro­miscuidade são exemplos claros da falta de conheci­mento e do preconceito que permeiam o meio baunilha e que podem ter um efeito devastador no estilo de vida de um indivíduo.”

A quem interessar, Perversão – Muito Além Da Cama está à venda aqui neste link.

A Máscara de Nós

Tenta escrever

Mas escrever não pode

Pois era uma casa

Muito engraçada

Não sentia, não tinha nada.

 

Homem de palha,

Homem de lata

Não escreve, nem pensa nada

E o mundo que é chato

Porque não ri de piada.

 

Terra de palmeiras, onde canta o sabiá

Vazio aqui, solidão acolá

Não sabe de nada,

Quer fazer graça

Sem saber onde está.

 

Carne, raça e dinheiro

Berço envolto em magia

Homem de palha,

Homem de lata

Em herança que privilegia.

 

Artista que pinta

Muro de cinza

Não sabe o que é tinta

Nem o que rima

Com o verso de cima.

 

Ele é José, é cidadão

Homem de palha

Homem de lata

Mas só é leão

Contra fantasma.

 

É pau, é pedra,

Para toda obra.

É cidadão de bem,

Bendito cristão,

Torce para a seleção.

 

Homem de palha,

Homem de lata

Piada com desgraça

Uma após outra

Mulher de mordaça.

 

Tenta escrever,

Não escreve nada

Ninguém o nota

Em sua anedota

Sozinho na sala.

 

Homem de palha,

Homem de lata

Esquecido no tempo

Piada que falha

Mundo que atrapalha.

 

É pai que trai,

Com piada afiada,

Não paga pensão,

Mas quer atenção

Da mulher de Prada.

 

Mundo chato

Que não ri de nada,

Nem de viado,

Nem de teta de vaca,

Só porque é babaca.

Ode Ao Cu

Por anos a fio, lá no fundo
Acolhe com  suor.
Não há outro lugar no mundo,
O cu é o melhor!

Entra e sai, atrito forte,
Deus rugoso do pecado capital!
Todos querem a sorte
Da meteção pelo canal, retal.

Emaranhado que sustenta
Badalhoca pendurada em ônus.
Ignorância, porque ele ostenta
Pregas corrugadas do ânus!

Passam papel no furo imundo
Limpo ou sujo, tiram o pior,
Porque não há outro no mundo:
O cu é o melhor!

Seja quieto ou matraca,
Apertado ou felpudo.
Se for liberar a cloaca,
Deixa qualquer um galudo!

Olhota pronta!
Rodela que lateja!
Anel que se monta!
Beijo grego que deseja…

Casa fechada ou prolapso rotundo,
Bunda larga, ou furico menor.
Não há melhor lugar no mundo,
O cu é o melhor!

Na esbórnia, faz-se fila.
Todos querem, em furor,
Este túnel onde se desfila,
Porque o cu não tem pudor!

Perfume de dor,
Prega que tenta,
Prazer sem pudor;
O cu sempre aguenta!

Preto ou branco: vem todo mundo!
Devasso ou sacerdote-mor.
Não há lugar melhor no mundo:
O cu é o melhor!

Orifício da peida, de qualquer cor,
Flor que cheira; que fedor!
Seja homem, mulher; ou os dois
O cu não é deixado pra depois.

Cu doente, cu que é quente.
Fique à vontade, cu não é horror.
Não há cu que arrebente,
Nem na febre, nem no calor!

Só a ‘becinha ou vai-e-vem profundo,
É de ferro, ou elástico maior.
Não há outro lugar no mundo,
O cu é o melhor!

Cu é belo, cu é vida!
Cu é ideia, força que habita!
Sempre merece uma metida,
Pode assumir, não faça fita!

Porque bem lá no fundo,
Ele sempre acolhe, com suor.
Não há melhor lugar no mundo,
O cu é o melhor!

Piroca brocha, buceta sem poça.
O cu não! O cu sempre coça!
Para o dedo ou para a língua,
O cu nunca míngua!

Hétero ou homo,
O cu é amigo e como!
Ninguém quer passar fome;
Cussexual é o nome!

Ruga que pisca, cego e caolho,
O cu não tem ferrolho.
Cu é belo, é vida, é o melhor!
O cu é o melhor! O cu é o melhor!

Com Ou Sem R

Abanam-se, livres, em alvoroço
Abeira beleza em bico sobreposto
Foge às pressas o pudor do moço
A paz perturba-se, e tapam o rosto!

Sedutora, clama ao seu colo
Do arrogante ao valentão
Rechaça todo protocolo
Na porrada ou discussão!

Lá vem ela,
Em ritmos edênicos
Balanço que desvela
Mamilos polêmicos!

Bafafá, treta, contenda
Briga, litígio ou atrito
Não há quem se entenda
Caos e ofensas em grito!

Treta, deusa boa de se ver!
Ou tetas que regam lembranças
Com ou sem R, se precisar escolher
Lambuzo-me com ambas.

O Pai Te Ama

O nome é Rafaela. “Nome forte para uma menina forte”, dizia ele. Sabia, no entanto, que era apenas uma variação de Rafael, o primogênito, e, no futuro, descobriria que era apenas uma sombra dele. Ou que, pelo menos, fora criada para isso.

Não entendia o porquê de tanta proteção, já que era uma “menina forte”. Não podia beber, para a própria proteção. Nem fumar, para preservar a saúde. Com Rafael fora diferente. Não porque as coisas lhe fossem permitidas, mas porque pareciam confiar nele. Não podia beber, nem fumar. Mas podia sair, desde que meia-noite estivesse em casa. Ela não. “Não se pode confiar nos homens hoje em dia”, dizia ele. Mas Rafael era homem e papai confiava em Rafael.

Nem sequer aos palavrões da TV podia assistir, mas, pelo menos, escreveu-os até cansar em paredes e portas de banheiro. Nudez também era censurada. Bem como shorts, minissaias ou qualquer outra que desnudasse o cós ou revelasse as coxas. Sexo então nem pensar. Nem no pelo, nem com camisinha. Nem o papai-e-mamãe-amorzinho, nem aquela foda bestial que deixa o cu assobiando de tanto que faz bico. Nem Rafael podia, na verdade (foder, claro, porque se o cu a assobiar fosse o dele, vixe…). Aliás, sexo era tabu em casa, menos no noticiário.

Porque, nos noticiários, ela merecia ser violada, seja por causa da roupa, seja porque estava sozinha, seja porque… seja porque era mulher. Afinal, a culpa nunca era do homem. Vejam bem, eu disse “homem”. Porque quando não tinha jeito de culpar a mulher, o estuprador era sempre categorizado como “monstro”. Tipo, sei lá, uma nova raça de ser humano. Estuprador era qualquer coisa, menos homem. Mesmo quando este estuprador, este homem, era o namorado, marido, tio, irmão, pai, avô; era um monstro. Todo e qualquer Dr. Jekyll sabe bem como to hide (perdoem o trocadilho) esconder o Sr. Hyde. Sabemos, no entanto, que é impossível que, uma vez liberados, os civilizados Jekyll não se viciem na liberdade dos Hyde. A merda é que a sociedade escolhe fechar os olhos para os Jekyll dos Hyde, e não o contrário. Porque eles sabem, muito bem, que os Hyde são ou já foram como eles. E também sabem que os doutores são fracos demais para conter a tentação do poder dos Hyde.

Cresceram, e me tornei gente, humana. Queria foder, e não podia. Nem com quem quisesse. Ainda não era madura para isso. Os homens, na mesma idade, eram, e Rafael já podia foder meio mundo, até quem não quisesse. Afinal “quem mandou beber daquele jeito, né?”. Podia meter até naquelas que ainda não eram maduras o suficiente, porque os pais não deram educação, as deixaram soltas pelo mundo ou não souberam protegê-las. Mas isso não aconteceria comigo. Eu, Rafaela, princesinha-do-papai.

Rafaela significava “curada por Deus”, mas devia faltar um erre ali. Porque, se fosse pelo deus em que o pai acreditava, ela só era fodida por Ele. Amém. Papai era um defensor Dele e da Moral e dos Bons Costumes. Em nome desta santíssima trindade, valia tudo: discussões, humilhações, privações e violência. Guerras foram travadas, mas sempre com deuses alheios, ou ímpios que se apropriavam de seu Santo Nome. Nunca fora o Deus dele. Nunca foram os verdadeiros fiéis Dele; nunca fora ele, seu pai. Era tudo vontade de Deus, mas ele, papai, era quem sabia o melhor para a vida dos outros. Queria o ensino religioso nas escolas, mas só da religião dele. Tal como outros antes dele, e como muitos outros virão, papai usava o nome de um deus. Sob falsa modéstia escondia-se atrás dele, para fingir respeitar o próximo e cuspir preconceitos sem qualquer pudor. Queria tanto que outros vivessem como ele, que esquecia que havia “outros”. Preocupava-se tanto com a vida alheia, que esquecia da própria, e da família. Enquanto eu, Rafaela, a princesinha-do-papai, chorava no quarto, ele esbravejava na sala contra o beijo entre dois homens no horário nobre.

Papai era um homem de bem, um homem de e para a família. Um “cidadão de bem”, como ele dizia. Saía cedo para o trabalho e voltava tarde, já à noite, mas sempre encontrava tempo para defender o núcleo familiar. E como ele fazia isso, senhoras e senhores? Em rodinhas de conversas no churrasco do fim de semana, ou até mesmo nos intervalos do trabalho, era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ah, e como conhecia este Verbo! – era capaz de tudo para se fazer ouvido e não contestado. Papai era como qualquer religioso: abominava a mentira, desde que ela não servisse ao seu próprio Deus. Isso valia para tudo em que acreditava; papai era seu próprio Deus. Vociferava analogias enfeitadas, que surpreendia os colegas menos cultos. Acessava a internet para ler títulos de fake news e propagá-las, desde que carregassem conteúdo que o ratificavam. Debatia com propriedade, mas sem qualquer conhecimento científico, ou descartando-as ad hominemente. Gesticulava com eloquência contra os questionamentos morais – “Para onde vai este mundo com o rumo que a sociedade está tomando?” era questão sempre presente, ainda que retórica –, e regozijava-se em concordâncias. Esquivava-se com a famosa citação de Descartes “Posso não concordar com uma só palavra sua, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-la”, mas sem saber que o filósofo francês nunca escreveu isso (e que uma mulher foi quem o fez). Papai beirava a verborragia patológica, com pitadas de esquizofrenia teológica.

Tempos bons, aqueles. Hoje em dia, tem muito mimimi”, dizia ele. Porque papai era do tempo que violência era só agressão física. Do tempo em que repressão era só a do governo militar, e não aquela que instaurava dentro do próprio lar, em nome da Moral e dos Bons Costumes. E de Deus. Sua única arma era a palavra, e, agora, queriam lhe tirar até isso. Desarmar um homem de bem, um cidadão de bem. Hosana nas alturas!

Todos gostavam dele. Pelo menos no trabalho, onde cumprimentava-os sem distinção de credo, cor ou classe social, e flertava com as faxineiras e copeiras, sob o disfarce de gentileza. Entre um discurso inflamado e outro, gabava-se de quando visitava puteiros pelo Brasil, e comia uma, duas, três putas numa noite. Contava histórias sobre suas aventuras extraconjugais, com orgulho e extravagância, arrancando gargalhadas com trocadilhos e onomatopeias criativas. Aqui, a Moral e os Bons Costumes davam lugar a uma epopeia de putarias, mas abundante da decência insossa do papai-e-mamãe-de-dois-minutos-de-duração. Porque Deus abençoava sua fama pudicícia de fodedor, mas recriminaria qualquer perversão sexual (leia-se: qualquer coisa muito além do cachorrinho, ou qualquer coisa que – insira aqui seu nome – considere bizarro). Porque papai jamais imaginou que mamãe, para ele um exemplo inquebrantável de pureza e castidade, fosse capaz de chupar o pau de cada professor da escola de seus filhos (e que o fizesse sem deixar qualquer vestígio – mamãe era foda). Porque papai recriminava os jovens precoces que “se pegavam” em público, e as jovens que pintavam os cabelos de cores “esdrúxulas”. Porque Deus desgraçava tatuagens e nudez, mas cagava para a quebra do sagrado matrimônio, para as traições e para as punhetas batidas, com pilhas de DVDs pornôs aos quais assistia escondido da mulher – e de Deus também, pelo jeito (à sua maneira, então, papai também era foda – só que não).

Aos domingos, papai nos levava à missa. Rafael até curtia, e não haveria porquê de não curtir. Tudo lhe era proibido, mas relevado. A mim, tudo era proibido, e reiterado. E fiscalizado com o dobro de esforço, exigência, desconfiança e atenção. “Nome forte para uma menina forte”, dizia ele, mas não entendia porque tanta dedicação de um lado e descaso do outro. Não entendia o porquê de tanta proteção, já que era uma “menina forte”. Não entendi até crescer, e descobrir que Deus era apenas mais um. Nem pior, nem melhor. Apenas mais um. Um. Não uma; não havia deusa alguma. Se houvesse, havia um deus, no masculino. Porque Deus era homem. E como sei disso? Porque ele me fodeu a vida inteira e nunca precisou de permissão para isso. Fodia aos pouquinhos, sem que eu sentisse, e nunca me deu chance de gozar. Sim, Deus só pode ser homem. Eu, Rafaela, não queria ser currada, nem curada por Deus, nem por ninguém. Mas eu, Rafaela, era a “menina forte” que aguentava sua onifodência. Só que não era forte porra nenhuma: era apenas mulher. Isso por si só já significava ser forte, caso eu quisesse sobreviver àquele mundo hostil, de ímpios e de cidadãos de bem.

Sobrevivi, mas não vivi, como outras tantas. Obrigado, mamãe, por tudo. Quanto a você, papai, espero que leia o que escrevi nos azulejos do banheiro, com o sangue dos próprios pulsos. Sim, é para você. Caso não consiga ler:

Vá se foder!

***